Mineração ilegal ameaça água em Gana e governo enfrenta pressão

Ativistas denunciam a contaminação dos rios pelo garimpo ilegal e cobram ações do novo governo para conter a crise ambiental.

Por Willian Oliveira
26/02/2025 19h04 - Atualizado há 1 mês
Mineração ilegal ameaça água em Gana e governo enfrenta pressão
Rios de Gana estão contaminados pelo mercúrio da mineração ilegal, colocando em risco o abastecimento de água.

A crise ambiental em Gana se agrava com o avanço da mineração ilegal de ouro, que tem contaminado os principais rios do país e comprometido o abastecimento de água para milhares de pessoas. O problema, que há anos preocupa ambientalistas, ganhou força com o crescimento da atividade conhecida como "galamsey", a exploração informal e muitas vezes ilegal de ouro.

Diante desse cenário, ativistas como Oliver Barker Vormawor têm pressionado as autoridades para conter a degradação ambiental. Em setembro de 2024, surgiram alertas de que a Agência de Água de Gana poderia interromper o fornecimento em diversas regiões devido à poluição extrema. Em resposta, Vormawor organizou protestos em Accra, a capital do país, cobrando ações do então presidente Nana Akufo-Addo.

A repressão, no entanto, foi dura. Vormawor e outros manifestantes foram presos sob acusações de reunião ilegal, permanecendo encarcerados por semanas. Apesar da mudança de governo após as eleições de dezembro, os ativistas permanecem céticos quanto ao compromisso do novo presidente, John Mahama, em combater o galamsey e reverter os danos ambientais.

 

O avanço destrutivo do galamsey

Gana, conhecida historicamente como a "Costa do Ouro", tem na mineração um dos pilares da sua economia. No entanto, a exploração descontrolada e sem regulamentação vem gerando consequências devastadoras para os recursos naturais do país.

O termo "galamsey" vem da expressão "gather and sell" ("coletar e vender") e se refere à mineração artesanal e de pequena escala. Embora parte dessa atividade seja licenciada, grande parte ocorre de forma ilegal e sem controle, o que intensifica os danos ambientais.

A mineração informal usa grandes volumes de água e substâncias altamente tóxicas, como mercúrio e cianeto, para separar o ouro de sedimentos. Como resultado, os rios, que antes eram fontes limpas de água potável e para atividades agrícolas, estão cada vez mais contaminados.

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Os impactos são visíveis:
✔️ Rios transformados em lama tóxica, impossibilitando o consumo e o uso doméstico.
✔️ Destruição de terras agrícolas, afetando a produção de cacau – um dos principais produtos de exportação do país.
✔️ Grave risco à saúde pública, devido à exposição da população a metais pesados e outras substâncias cancerígenas.

Estima-se que 2% das terras cultiváveis de cacau já tenham sido perdidas para a mineração. Além disso, a contaminação da água ameaça milhões de ganeses que dependem dos rios para sobreviver.

 

Governo e conivência com a mineração ilegal

O avanço da mineração ilegal em Gana não se deve apenas à busca por ouro, mas também à falta de fiscalização e à conivência de autoridades. O crescimento do galamsey foi impulsionado pelo aumento dos preços do ouro, que atingiram valores recordes no final de 2024, incentivando novas operações clandestinas.

Um dos fatores que facilitaram essa expansão foi a aprovação da Lei LI 2.462 em 2022, sob o governo Akufo-Addo. A legislação permitiu a concessão de licenças de mineração até mesmo em áreas protegidas, incluindo reservas florestais.

Desde 2017, o número de licenças para mineração de pequena escala disparou, passando de algumas centenas para mais de 2.000 concessões até janeiro de 2025. Relatórios vazados revelaram que figuras ligadas ao governo anterior lucraram diretamente com a liberação dessas permissões, enfraquecendo ainda mais as ações contra a mineração ilegal.

Em 2023, um documento vazado pelo ex-ministro do Meio Ambiente, Kwabena Frimpong-Boateng, denunciou que membros do partido de Akufo-Addo estavam diretamente envolvidos no galamsey, impedindo ações de repressão.

 

Repressão ineficaz e crise contínua

Mesmo diante da crescente crise ambiental, as tentativas do governo para controlar o problema foram limitadas. Em 2021, foi lançada a "Operação Halt", uma ação militar que visava combater a mineração ilegal em áreas de preservação. No entanto, a iniciativa não conseguiu conter o avanço da poluição.

A gravidade da situação se intensificou em janeiro de 2025, quando a estação de tratamento de água na região oeste de Gana foi fechada devido à contaminação do Rio Bonsa. Mais de 200 mil pessoas foram afetadas, tendo que buscar alternativas para conseguir água potável.

Diante desse quadro, o novo presidente John Mahama assumiu o governo em janeiro prometendo mudanças. Em seu discurso de posse, ele garantiu que irá reforçar políticas contra a mineração ilegal e proibir a extração de ouro em reservas florestais e áreas próximas a rios.

 

Novo governo, desafios antigos

Apesar das promessas, Mahama tem evitado tomar medidas mais radicais, como revogar as licenças já concedidas, alegando que a mineração em pequena escala representa uma importante fonte de renda para milhares de famílias.

Sua alternativa seria investir em tecnologias mais seguras, como já ocorre no Canadá e na Austrália, para reduzir os impactos ambientais. No entanto, ativistas criticam essa abordagem, alegando que o país precisa de ações mais drásticas para conter a destruição ambiental.

O ativista Oliver Barker Vormawor defende a revogação da Lei LI 2.462 e a anulação de concessões obtidas de forma irregular. Já a ambientalista Ewurabena Yanyi-Akofur, da ONG WaterAid, alerta que, sem mudanças imediatas, Gana poderá ser obrigada a importar água até 2030.

 

Destruição de Terras Agrícolas

Gana é o segundo maior produtor mundial de cacau, commodity que representa 30% das exportações do país e sustenta cerca de 800 mil famílias rurais. No entanto, o avanço do galamsey tem convertido terras férteis em crateras estéreis: 2% das terras cultiváveis de cacau já foram perdidas para a mineração ilegal (dados de 2024).

Na região de Ashanti, epicentro da produção de cacau, 15% das fazendas foram abandonadas devido à contaminação por mercúrio.

Rios poluídos (como Pra, Ankobra e Tano) impossibilitam a irrigação, reduzindo a produtividade em até 40% em áreas próximas às minas.

Em Tarkwa, cidade no oeste de Gana, agricultores relataram que a colheita de cacau caiu de 1.200 kg/hectare (2020) para 300 kg/hectare (2024) após a invasão de garimpeiros.

 

Contaminação Tóxica e Saúde Pública

Os químicos usados no galamsey, como mercúrio e cianeto, infiltram-se no solo e na água, criando um ciclo de degradação:

75% das operações ilegais usam mercúrio para separar o ouro, contaminando rios que abastecem comunidades.

Estudos do Instituto de Pesquisa em Agricultura de Gana (2024) detectaram níveis de mercúrio 50 vezes acima do limite seguro em plantações de milho e inhame.

Efeitos na saúde:

Crianças expostas ao mercúrio têm risco 30% maior de desenvolver deficiências neurológicas. Gastos com tratamento de doenças relacionadas à mineração consomem 20% da renda familiar em regiões afetadas.

 

Queda na Produção e Renda Agrícola

A perda de terras e a contaminação reduzem drasticamente a capacidade produtiva: exportações de cacau caíram 15% em 2024, o menor volume em 20 anos. Pequenos agricultores, que dependem da venda de cacau para 80% de sua renda, estão migrando para o garimpo ilegal, perpetuando o ciclo de pobreza.

Preços internos do cacau subiram 25% devido à escassez, pressionando a indústria local de chocolate (como Golden Tree Chocolate), que demitiu 1.200 funcionários em 2024.

 

Impactos na Economia Local e Nacional


Macroeconomia:
A mineração ilegal contribui com apenas 2% do PIB, mas custa US$ 500 milhões/ano em danos ambientais e perdas agrícolas (Banco Mundial, 2024). Além disso, propriedades rurais próximas a minas ilegais perderam até 70% do valor devido à degradação.

Microeconomia:
Comércio local: Mercados rurais em regiões como Western North reportaram queda de 35% nas vendas de alimentos, já que agricultores não têm produtos para oferecer.

Turismo: Reservas naturais como o Parque Nacional Kakum, que atraía 200 mil visitantes/ano, teve 10% de sua área destruída pelo galamsey, reduzindo receitas turísticas em US$ 12 milhões/ano.

 

Um futuro incerto para Gana

Enquanto os impactos da mineração ilegal se intensificam, milhões de ganeses enfrentam um cenário alarmante de escassez hídrica e destruição ambiental.

A água, um recurso essencial, está cada vez mais poluída e inacessível. Terras agrícolas continuam sendo degradadas, comprometendo a produção de cacau e a segurança alimentar do país.

Para ativistas e especialistas, a luta contra a mineração ilegal não é apenas uma questão econômica ou política. É uma batalha pela sobrevivência. Como afirma Vormawor:

"Não podemos trocar o futuro da nossa terra e da nossa água por ganhos rápidos. O tempo está se esgotando. Precisamos agir agora."

 


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