Uma pesquisa trouxe novas evidências sobre os impactos do consumo de álcool no cérebro humano. O estudo, publicado na revista Neurology, da Academia Americana de Neurologia, tendo como primeiro autor Alberto Justo, que realizou pós-doutorado com supervisão de Claudia Suemoto na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
O estudo analisou 1.781 cérebros de brasileiros com mais de 50 anos, revelando uma associação significativa entre o consumo de bebidas alcoólicas e lesões cerebrais relacionadas à demência.
“O grande destaque do estudo, a meu ver, é que os marcadores, principalmente a arterioesclerose hialina, já estão presentes mesmo em quem consome álcool moderadamente”, diz Alberto Justo em entrevista a Agência SP.
Além disso, ex-alcoolistas apresentaram redução da massa cerebral e comprometimento das funções cognitivas.
A arteriolosclerose hialina é uma condição que endurece os vasos sanguíneos, dificultando a irrigação cerebral e podendo levar à demência vascular. Já os emaranhados de tau são proteínas anormais que se acumulam no cérebro, sendo um dos principais marcadores da doença de Alzheimer.
O estudo revelou que indivíduos que consumiam oito ou mais doses de álcool por semana tinham um risco 41% maior de desenvolver essas lesões cerebrais.
Mesmo aqueles que haviam cessado o consumo de álcool antes da morte apresentavam essas alterações, indicando que os efeitos do álcool podem ser duradouros.
Ex-alcoolistas também mostraram uma redução significativa na massa cerebral em relação à altura corporal, além de prejuízos nas capacidades cognitivas. Essas conclusões foram obtidas por meio de questionários aplicados a familiares próximos, que avaliaram sinais de declínio cognitivo e demência nos participantes.
O estudo não encontrou uma ligação direta entre o consumo de álcool nos três meses anteriores à morte e a redução da massa cerebral ou habilidades cognitivas. Isso sugere que os danos cerebrais associados ao álcool podem se manifestar mesmo após a interrupção do consumo.
A pesquisa também destacou a influência da reserva cognitiva, a capacidade do cérebro de resistir a danos, na manifestação de sintomas de demência. Fatores como nível educacional e estímulos intelectuais ao longo da vida podem fortalecer as conexões cerebrais, retardando o aparecimento de sintomas clínicos, mesmo na presença de lesões cerebrais.
No Brasil, onde a média de anos de escolaridade é de aproximadamente 4,8 anos, a baixa reserva cognitiva pode contribuir para uma maior vulnerabilidade aos efeitos nocivos do álcool no cérebro.
Este estudo é particularmente significativo por ter sido realizado com cérebros de brasileiros, uma população frequentemente sub-representada em pesquisas neuropatológicas. A maioria dos estudos anteriores foi conduzida em países de alta renda, onde os padrões de consumo de álcool e fatores socioeconômicos diferem consideravelmente.
Com a previsão de que dois terços dos casos de demência ocorrerão em países de baixa e média renda nas próximas décadas, entender os fatores de risco nessas populações é crucial para o desenvolvimento de políticas de saúde pública eficazes.
Embora o estudo não estabeleça uma relação de causa e efeito definitiva entre o consumo de álcool e as lesões cerebrais, ele fornece evidências de uma associação significativa. Os resultados reforçam as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), que em 2023 declarou que não há nível seguro de consumo de álcool, especialmente devido ao aumento do risco de câncer e outras doenças.
Com informações: Agência SP.