Em um passo inédito para a ciência agrícola brasileira, sementes de grão-de-bico e plantas de batata-doce foram lançadas ao espaço no último dia 14 de abril de 2025. A bordo de um voo suborbital privado da Blue Origin, as amostras ficaram expostas por quase cinco minutos à microgravidade, abrindo caminho para pesquisas que podem transformar a agricultura em ambientes extremos, dentro e fora do planeta Terra.
A ação foi conduzida pela Rede Space Farming Brasil, uma articulação científica que une 56 pesquisadores de 22 instituições, incluindo universidades brasileiras e quatro centros internacionais.
O projeto busca viabilizar o cultivo de alimentos em futuras estações espaciais, atendendo à necessidade de sustento de astronautas e ampliando possibilidades para a agricultura terrestre em meio às incertezas climáticas.
Segundo Paulo Hercílio Rodrigues, professor da Esalq/USP e doutor pelo Cena/USP, a microgravidade induz estresse nas plantas, o que pode ativar genes específicos, úteis para futuras modificações genéticas. "Esse estresse, apesar de prejudicar a produção, nos dá pistas sobre como adaptar as plantas", explicou o docente em entrevista à Rádio USP.
A experiência, considerada o primeiro marco prático da rede, com o objetivo de desenvolver tecnologias de melhoramento genético capazes de adaptar cultivares a condições adversas, como as encontradas no espaço ou em cenários extremos de aquecimento global. O estudo também lança luz sobre a possibilidade de cultivo indoor e uso de inteligência artificial no campo.
“Nosso objetivo é desenvolver um sistema autossuficiente e sustentável de produção de alimentos fora da Terra”, afirma o pesquisador Carlos Hotta, do Instituto de Química da USP, destacando a importância de parâmetros como resistência à radiação, porte compacto das plantas, ausência de solo e alta produtividade.
As pesquisas contam com o apoio financeiro de três fontes internacionais: a Winston-Salem State University (WSSU), a National Geographic e a engenheira aeroespacial Aisha Bowe, ex-cientista da NASA.
Entre os alimentos enviados estão a cultivar de grão-de-bico BRS Aleppo, desenvolvida pela Embrapa, e duas variedades de batata-doce. A Beauregard e Covington. O grão-de-bico é rico em proteínas e triptofano, que pode ajudar na regulação do humor em situações de estresse. Já a batata-doce Beauregard tem polpa alaranjada e é fonte de betacaroteno, com potencial antioxidante para proteger tanto plantas quanto humanos da radiação ionizante no espaço.
Hotta explicou que plântulas de batata-doce foram fixadas em diferentes momentos da viagem para análise genética posterior. O objetivo é entender como o relógio biológico das plantas pode ser ajustado para ambientes controlados, aumentando a produtividade e sustentabilidade da produção.
A missão brasileira ocorre em um momento em que o mundo discute a permanência humana fora da Terra. Desde 2020, com a assinatura do Acordo Artemis, liderado pela NASA e com 54 países signatários, incluindo o Brasil, se tornou prioridade construir bases permanentes na Lua e em Marte. Nesse cenário, garantir alimentação aos astronautas é uma das prioridades.
“Enviar um quilo de alimento à Lua pode custar até 1 milhão de dólares”, destaca a pesquisadora Alessandra Fávero, da Embrapa.
A Rede Space Farming Brasil nasceu em 2022, fruto da parceria entre a Embrapa e a Agência Espacial Brasileira (AEB). Um dos protagonistas internacionais é o professor brasileiro Rafael Loureiro, da WSSU, que pesquisa a interação entre microrganismos e plantas para reduzir o estresse em ambientes espaciais.
Muitos avanços tecnológicos surgem de projetos espaciais e são chamados de spinoffs, como GPS, câmeras de celular e implantes cocleares. As inovações resultantes desse estudo também poderão gerar cultivares mais eficientes, que consumam menos água e sejam mais resilientes a mudanças climáticas, impactando diretamente a produção agrícola brasileira.
O futuro das pesquisas prevê cultivos em ambientes sem solo, iluminados artificialmente, como as fazendas verticais urbanas, e o desenvolvimento de plantas com ciclos de produção acelerados, úteis em períodos de estabilidade climática.
Hotta afirma que o plano da rede para os próximos cinco anos é aprofundar os estudos em múltiplas frentes. “A ambição é conseguir plantar e colher no espaço, passando de semente a semente, o que exigirá longas permanências em órbita”, conclui.
Com informações: Agência SP.